Papo de Responsa: muito mais que prevenção às drogas
Os alunos do 9º ano Fundamental II e 1º e 2º ano do Ensino Médio, participaram de...
As crianças estão conectadas, os adultos estão conectados, estamos todos conectados. Mas com o quê? Estamos vivendo em tempos de mobilidade e relações virtuais. Conectamo-nos facilmente com o outro, independente da hora e do lugar. Podemos nos relacionar com pessoas de outros países sem sair do nosso. Mas é essa a conexão que efetivamente buscamos?
O mundo digital faz parte de nosso cotidiano, envolvendo diversas gerações. Pelas possibilidades que oferece, o universo virtual nos surpreende e fascina. Podemos dizer que atualmente somos sujeitos hiper-conectados, pois a presença constante de objetos eletrônicos acompanhando crianças, adolescentes e adultos está mudando as interações pessoais. Consumidos pela atração própria das redes sociais, acabamos seduzidos pela escrita de mensagens e postagens, deixando de lado diálogos e conversas no olho a olho. Nossa percepção do mundo é influenciada pela preferência em contemplar imagens na tela ao invés de escutar o que ocorre em nossa volta.
Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, ao cunhar o conceito de “modernidade líquida” afirmou que estamos vivendo tempos de relações fluidas, pouco aprofundadas, pelas quais, com facilidade, nos “desconectamos” das pessoas, caso elas não nos agradem, ou se consideramos que elas não devem mais fazer parte da nossa “rede” de amigos. Com isso, estamos vivenciando momentos em que o olhar e a conversa imbuída de sentimentos acabam sendo substituídos por um toque na tela, um clique. Bauman reforça ainda que o uso das redes sociais por vezes oferece-nos uma armadilha, visto que ao invés de incitar o debate, pode fortalecer o crescimento das zonas de conforto. Isso porque quando não afinamos com determinada opinião, nos afastamos rapidamente, perdendo a oportunidade de dialogar e de construir relações preocupadas com o bem comum e menos individualizadas. Os rompimentos, discussões acirradas e reações agressivas, também acabam sendo favorecidas no ambiente virtual, tendo em vista a facilidade em assumir opiniões e posicionamentos, que, pessoalmente, não seriam declarados. Daí resultam as dificuldades que principalmente as crianças ficam submetidas, sem conseguir resolver os conflitos gerados fora da rede.
Vários estudiosos têm comentado que a era digital pode provocar uma certa crise de atenção, pois o tempo que frequentemente se consegue despender em uma atividade tem encurtado cada vez mais. A capacidade de estar concentrado e atento foi substituída pela habilidade de receber informações breves e imediatas, substituindo os argumentos e conhecimentos aprofundados. As informações estão à disposição, mas nem sempre conseguimos fazer delas conhecimento.
A paciência dos indivíduos também foi impactada, tornando o ser humano imediatista, incapaz de esperar e pouco tolerante ao erro. Considerando que o psiquismo funciona na base do princípio do prazer, não é difícil compreender que nos agrade ter nossos desejos atendidos o mais depressa possível. Dessa forma, a tecnologia, quanto mais avança, mais nos faz regredir. Quanto mais nos é oferecido, mais esperamos e, consequentemente, qualquer falha nos põe num estado de privação ou frustração.
As crianças de hoje abrem à percepção muitas janelas simultâneas. Fazem as tarefas da escola no computador, enquanto conversam no Facebook, trocam mensagens e postam fotos no Instagram. Têm sido chamadas de crianças-multitarefa. Aprendem mais por tentativa e erro do que em manuais ou seguindo instruções. A preocupação nesse contexto é o fato de crianças e adolescentes não desligarem seus eletrônicos. A relação estabelecida acaba sendo de dependência, desde bem pequenos. Os adultos, seduzidos pela ideia de poder controlar os filhos e zelar por sua segurança, mantendo-os próximos, isentam-se de cuidados importantes. Os jogos digitais são diferentes do brincar, atividade constitutiva que permite e favorece a elaboração, estimula a imaginação e permite criar recursos psíquicos para lidar com as angústias próprias da vida. Não é incomum as crianças apresentarem dificuldades para dormir depois de ter ficado conectadas por um longo tempo. A distração com os jogos eletrônicos é imediata e estimulante.
É evidente que o avanço da tecnologia traz muitos pontos positivos em termos de economia de tempo e da possibilidade de acesso em todo lugar, porém, é preciso estar atento a esses processos, principalmente com relação ao uso que as crianças e adolescentes têm feito das redes sociais, dos aparelhos eletrônicos e dos meios de comunicação e informação que possuem.
“A internet é a rua, a avenida, a praça dos tempos atuais”, diz a psicóloga Rosely Sayão. Com esse comentário, ela se refere ao ambiente no qual crianças e adolescentes ficam expostos, longe do olhar dos adultos. Se atualmente as crianças são privadas de sair à rua pela preocupação com a insegurança, ao mesmo tempo percebe-se uma liberdade excessiva no acesso à rede.
Considerando as inúmeras possibilidades de se obter informação por meio da internet, é importante ficar atento à que tipo de conteúdo a criança tem tido acesso. Quais sites visitam, com quem costumam conversar por meio das redes sociais ou até mesmo o tipo de jogo com o qual interagem. Sem esse controle, as crianças podem, por exemplo, ter acesso à diversos tipos de conteúdos impróprios para a idade.
Algumas estratégias como instalação de antivírus e outros tipos de filtros, podem permitir o bloqueio à determinados conteúdos. Entretanto, ainda assim não existe a certeza da segurança, o que nos leva a considerar a importância do acompanhamento, do diálogo e da orientação. É necessário alertar às crianças e jovens sobre os riscos relacionados ao uso da internet. Nesse ambiente, pessoas podem se passar por outras, fotos e vídeos compartilhados podem ser utilizados de forma indevida, além do furto de identidade, vazamento de informações, invasão de privacidade, danos à imagem e à reputação, entre outros.
Ressaltamos a importância dos adultos estarem atentos aos efeitos do uso frequente das redes sociais e do aparelhos eletrônicos nas relações pessoais. Deixar de lado o olhar, a demonstração de afeto, o acolhimento e o diálogo poderá trazer consequências significativas no desenvolvimento psicológico de crianças e jovens, representando riscos à construção de suas identidades. Na ambiente escolar muitos estudantes chegam a verbalizar a falta desse contato.
As relações interpessoais atuais na família ou na escola são próprias do contexto atual, tempos de modernidade líquida, conforme Bauman. Tempos em que o imediatismo, a busca pelo sucesso, o individualismo e as transformações constantes interferem na construção das relações sociais.
Como mencionado anteriormente, vivemos em um tempo de excesso de informações, porém, muitas vezes, apresentadas de forma superficial e rápida. Na escola essa lógica necessita ser transposta, ou seja, para o estudante poder apropriar-se verdadeiramente do conhecimento formal, é preciso um certo rompimento com essa superficialidade. É importante que o aluno assuma uma posição ativa, buscando interagir com o conhecimento de forma reflexiva, deixando de ser um mero consumidor de informações. Para isso, a escola tem um papel fundamental.
Como um espaço privilegiado de reflexão, diálogo e interação, a escola tem a possibilidade de promover diversas ações, debates e discussões envolvendo as mídias sociais, junto aos alunos e a comunidade escolar em geral. Através de projetos diversos, pode-se abordar temas envolvendo as relações humanas, buscando resgatar aspectos que favorecem e potencializam as trocas interpessoais para além das mídias, alertando também sobre as dificuldades e riscos que o universo digital representa.
É na escola que as crianças e jovens têm contato com opiniões diversas, precisam administrar conflitos e conviver com as diferenças. Tais aspectos implicam um processo de construção, no qual a escola pode contribuir desenvolvendo ações voltadas para este fim. Buscar refletir com os alunos temas envolvendo valores relacionados à convivência é uma possibilidade de sensibilizar sobre a importância de construirmos uma sociedade mais humana, aproximando as pessoas e construindo relações em que as conexões sejam significativas.
Larissa Scherer
Psicóloga e Orientadora Educacional Fundamental I
Manoella Senna
Pedagoga e Orientadora Educacional Fundamental I